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TAE Cristina Florêncio

Coordenadoria do Ensino de Ciências do Nordeste - CECINE

UFPE





sexta-feira, 18 de março de 2011

Newsletter no 08/2011: Expectativas Impossíveis

Certamente, você já se encontrou em dilemas como a necessidade física de descansar e o dever moral de trabalhar; o direito de sair de férias com a família e a oportunidade de participar de um congresso, por exemplo. Nessas horas, é forte a pressão social para que correspondamos às expectativas. 

Porém, há expectativas, tanto para o aluno quanto para o professor universitários, que, segundo o Prof. Leopoldo de Meis¹, no seu livro Ciência e Educação: o conflito humano-tecnológico, são impossíveis de serem atendidas. Vejamos por quê.

O que se espera do aluno universitário atualmente?
“Em cada semestre, o estudante universitário deve cursar quatro ou cinco matérias distintas, isto é, no período de três a quatro meses de aula, ele terá que assimilar o conteúdo de pelo menos quatro ou cinco livros de espessura semelhante [...] . Além do estudo e das aulas, espera-se que o estudante gaste parte do tempo estagiando com um profissional de sua área para familiarizar-se com a parte prática de sua profissão, que dedique algum tempo à cultura geral – música, literatura etc. – e que além disto não se esqueça de ser jovem: que se encontre com amigos, namore, pratique algum esporte, enfim, que não mutile aquele pedaço mágico de nossa vida, a juventude.”

Mas, é isso o que acontece?
“Isto tudo está se tornando cada vez mais uma tarefa impossível para a capacidade biológica de nosso organismo. Na prática, os estudantes universitários costumam selecionar algumas poucas matérias do curso – em geral as que se lhe afiguram mais interessantes – para dedicar um número maior de horas ao estudo. Limitam-se a ler parte do livro texto, raramente se estendendo além deste para chegar até a pilha de revistas. Nas demais matérias são obrigados a recorrer às apostilas, resumos sintéticos às vezes preparados por professores do curso. Na falta de apostila ou de qualquer resumo, recorrem ao caderno de notas de um colega. Há em geral um ou dois alunos do curso que assiste a todas as aulas e toma nota de tudo com uma caligrafia cuidadosa, fácil de ler. Estes cadernos se tornam verdadeiras preciosidades que os colegas reproduzem em cópias xérox para estudar às vésperas das provas. Não poucas vezes essas notas são utilizadas por estudantes das turmas dos dois ou três anos subsequentes.”

E as expectativas quanto ao professor universitário?
“É impossível dominar mais de uma área do conhecimento e manter-se atualizado em cada uma delas nos tempos modernos. A quantidade maciça de novos conhecimentos gerada a cada ano obriga à superespecialização acadêmica. Somente pelas revistas catalogadas pelo ISI são publicados atualmente quase 1 milhão de trabalhos científicos por ano [...], e se levarmos em conta as demais revistas não catalogadas, então este número sobe para cerca de 20 milhões. Se tomarmos a bioquímica como exemplo, verificamos que há 151 revistas indexadas pelo ISI que publicam cerca de 60 mil artigos por ano. [...]

Se um professor universitário pesquisador de bioquímica desejar atualizar seu conhecimento e for capaz de ler um artigo por hora durante 10 horas por dia, todos os dias do ano, incluindo sábados e domingos, no final do ano terá lido somente 6% do que se publicou nas diversas revistas de bioquímica no período. Durante este ano, o professor não teve tempo para ministrar aulas, trabalhar em suas pesquisas ou exercer qualquer outra atividade além de ler, e o que é mais grave, se desejar continuar no seu esforço de se atualizar em bioquímica, deverá ler os 94% dos artigos do ano anterior que não conseguiu ler, mais um volume igual correspondente aos novos artigos publicados no segundo ano de leitura. Jamais poderá se atualizar, e muito antes perderá sua sanidade mental, pois não é possível manter tal ritmo de leitura por muito tempo.”

Então, é impossível manter-se atualizado?
“[...] o professor-pesquisador moderno poderá se manter atualizado somente sobre um tópico muito particular de sua especialidade. [...] A superespecialidade lhe permitirá conhecer os conceitos publicados nos últimos dois ou três anos; sobre a bioquímica geral poderá ter noções do que ocorreu nas últimas duas décadas; sua física se limitará aos conceitos propostos por sir Isaac Newton no século XVII; o que saberá de matemática remontará ao princípio do milênio e seus filhos em casa provavelmente afirmarão que seus conhecimentos de ciências sociais remontam à idade da pedra.”

Bem, não conseguir corresponder a essas expectativas tem seu lado bom: somos obrigados a reconhecer nossa temporalidade. A profundidade do conhecimento nos atinge como uma tsunami e vai muito além de nós mesmos; e nunca poderemos abarca-lo completamente. É a vida!
Bom final de semana e bom descanso.
Cristina Florêncio
TAE do CCB - UFPE


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¹. Entrevista hipotética com o Prof. Leopoldo de Meis, autor do livro Ciência e Educação: o conflito humano e tecnológico. Rio de Janeiro: Ed. do autor, 1998. p.48 e 49, de onde foram transcritas suas palavras.

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